A Infiltração das Linguagens

Para Anouk, infiltração é o princípio estruturante de sua prática, descoberta que unificou método e matéria. Ao investigar os sentidos contidos na palavra “infiltração”, a artista percebeu que ela descrevia, com precisão poética, seu próprio processo criativo.

Em suas séries, o conto e a pintura infiltram-se mutuamente desde o início: um pensamento nasce como imagem e como narrativa, ambas breves, ambas obcecadas pela síntese, com foco na unidade de efeito e seu impacto por nocaute. Nas obras da artista, pintura e conto atuam em contracampo: o conto é a narrativa que a pintura carrega, mas não ilustra; a pintura é a materialidade que o conto não narra, mas evoca.

Na série Infiltração, esse método ganha contornos explícitos. Partindo de um léxico de analogias (da geopolítica à poética), a artista costura sentidos e camadas: canos são citações e homenagens; objetos pintados viram suporte e conceito; textos publicados infiltram-se nas telas e vice-versa. A engenhosidade dessa costura é metalinguagem e campo investigativo, sempre em busca da síntese.

pintura e conto em contracampo

Anouk é uma artista cujo refinamento técnico e intelectual se manifesta no desenho, na pintura e no texto. A mesma mão que desenha é a que pinta e escreve, movida por um impulso de elaboração estética e reflexão contínua. Em suas séries, as fronteiras entre imagem e palavra tornam-se porosas: pinturas e contos – ou contos gráficos – formam tramas engenhosas que se alimentam mutuamente.

Sua obra pode evocar, em certa medida, a iluminura medieval, ápice da síntese entre texto e imagem na Alta Idade Média; pode dialogar também com a literatura de cordel, em que xilogravura e narrativa caminham juntas; e guarda ressonâncias com a tradição japonesa, na qual caligrafia e pensamento se fundem como gesto espiritual. Em Anouk, porém, essas referências não se apresentam como citações explícitas: dissolvem-se, adubam-se entre si e dão origem a uma linguagem própria, onde visualidade e literariedade se integram organicamente.

O uso simultâneo de diferentes linguagens estrutura séries coesas, nas quais sentido e impacto emergem tanto de cada obra isolada quanto do conjunto. O espectador-leitor é convidado a transitar entre personagens, atmosferas e cores, numa experiência que ultrapassa a percepção visual para envolver múltiplos níveis de interpretação. A presença do texto é um desdobramento natural de seu processo multidisciplinar.

Em suas pinturas-contos, Anouk constrói camadas simbólicas e tensiona tradições. Sua obra dialoga com repertórios históricos sem jamais se limitar a eles: reelabora-os, transforma-os e os coloca em circulação dentro de um vocabulário contemporâneo. É desse entrelaçamento – preciso, pesquisado, rigoroso – que nasce a singularidade de sua poética. Palavra e imagem iluminam-se reciprocamente, constituindo o núcleo vital de uma criação que se afirma pela complexidade e pela inteligência formal.

O Mundo de Anouk

Contato