HISTÓRIA ERRADA

Em História Errada, a tensão entre intuição e razão funciona como eixo narrativo e estrutural. A obra parte de um acontecimento abrupto — um atropelamento sem testemunhas — e acompanha a mulher que tenta recompor o que não viu. Nesse percurso, a narrativa expõe as contradições de um pensamento que ora se fia na lógica, ora se apoia em intuições que podem falhar. Falácias como a post hoc atravessam esse movimento, revelando o quanto a busca por causas é, muitas vezes, apenas a tentativa humana de organizar o acaso.

Nas criações de Anouk, narrativa e pintura se infiltram mutuamente desde o início. Em História Errada, esse procedimento encontra ressonância no trabalho de Henry Darger, cuja prática entrelaça palavras e imagens como se ambas fossem extensões naturais uma da outra. Assim como Darger, Anouk constrói mundos em que metáforas visuais e verbais se expandem, iluminando zonas de ambiguidade e reforçando a materialidade do olhar.

A história que dá origem à série funciona como uma forma de explorar o emaranhado de acertos, enganos e interpretações que moldam a vida cotidiana. História Errada investiga esse terreno movediço em que a compreensão é sempre um processo de edição: escolher o que ver, o que ignorar, o que ligar a quê. A obra coloca em cena o paradoxo da intuição. Intuir pode conduzir, mas também pode iludir. Na tentativa de estabilizar o mundo, projetamos nexos onde talvez haja apenas simultaneidade; atribuímos causalidade ao que é mero encontro fortuito. A lógica, por sua vez, não oferece refúgio seguro: binária por definição, frequentemente falha diante da complexidade do real. A vida é atravessada por incertezas, informações incompletas, emoções, pressões externas, crenças e expectativas — elementos que embaralham qualquer esquema dedutivo.

Em História Errada, esse desencontro entre racionalidade e impulso não é tratado como falha, mas como condição humana. As pinturas da série expandem essa percepção: condensam atmosferas do conto, não suas cenas, e tornam visível a tensão entre o que se quer compreender e o que escapa. A narrativa literária abre a fissura; a pintura a aprofunda. Entre ambas, surge a constatação silenciosa de que compreender — ou narrar — nunca é total: é sempre um gesto parcial, provisório, atravessado por intuições que acertam, erram e, sobretudo, nos colocam em movimento.

um elogio do engano

História Errada